Metafísica do Absurdo
24.12.04
  FELIZ NATAL

"Nas Escrituras, o Deus-Homem foi chamado de sinal de contradição - mas haveria contradição na unidade inteiramente especulativa de Deus e do homem em geral? Não, não há nenhuma contradição. Mas há uma e a maior possível, de ordem qualitativa, entre o fato de ser Deus e aquela de ser um homem particular. Ser um sinal é ser, além do que se é imediatamente, outra coisa. Ser um sinal de contradição é ser uma outra coisa que o que se é imediatamente e opondo-se a ela. Tal é o caso do Deus-Homem. Imediatamente, ele é um homem particular, inteiramente semelhante aos outros, um homem de condição humilde, desapercebido. Mais eis aqui a contradição: ele é Deus."
Kierkegaard



Pantokrator




"ego eis touto gegennemai kai eis touto elelytha ei ton kosmon, hina martyreso teh aletheia. Pas ho on ek tes aletheias akouei mou tes fones legei auto"

("Para isso nasci e para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade. Quem é da Verdade escuta a minha voz")
Jo. 18,37


G.
 
22.12.04
 
Primeiros passos para uma estética da Revolta

"A contradição é a seguinte: o homem recusa o mundo como ele é, sem desejar fugir dele. Na verdade, os homens agarram-se ao mundo e, em sua maioria, não querem deixá-lo. Longe de desejar realmente esquecê-lo, eles sofrem, ao contrário, por não possuí-lo suficientemente, estranhos cidadãos do mundo, exilados em sua própria pátria."
Albert Camus in O homem revoltado

Em geral, os pensamentos filosóficos partem ou da experiência da unidade, ou da experiência da ruptura. Mas há uma terceira via, que parece ser a de Camus: da descoberta da ausência da unidade desejada que a ruptura revela; a idéia de simultaneidade é aqui fundamental pois revela duas presenças antagônicas no mesmo momento. É a crise da contradição tética e antitética presentes num mesmo e determinado momento sem solução numa síntese salvadora. É da manutenção da tensão que deverá brotar qualquer criação. Assim, o artista não deve afirmar o real em sua totalidade - portador e veiculo da rejeição causadora da ruptura -, tampouco negá-lo completamente, já que é dele que sua criação retira sua sede de unidade e é nele que ela se realiza.

G.


 
16.12.04
  "Chamo verdade àquilo que dura."
Albert Camus



Nicolas de Staël - Nu allongé


Como quando vemos no rosto de uma criança toda a promessa de vida, é assim que me reconheço diante dela. Há mais luz em seus olhos do que jamais teria sido capaz de imaginar. Carrega com uma simplicidade quase displiscente tudo aquilo que eu lutaria até à morte para possuir: seu gosto de vida e seu olhar fascinado. Assim, vê-se que as pessoas não podem apenas olhá-la; contemplam-na. Logo se distingue nela uma olhar maculado tão somente pelas vezes em que não pôde vê-lo refletido, por opacidade nossa. Passa pela vida com uma fugacidade arrebatadora. E então...

 
14.12.04
  Há um tempo para o trabalho e há um tempo para o descanso. Cansar-se é dar-se conta da grande extensão do tempo. Assim, sob este aspecto, o cansaço e a contemplação se assemelham. Esticam o presente; testam-lhe sua plasticidade. No cansaço profundo, tem-se a impressão de esvaziar-se, de ver a presença toda desvanescer e deixa-se estar, para além de todas as experiências, no tempo e no espaço. Na contemplação, o exercício é projetar-se adiante, ainda que para dentro de si; e repete-se tal abandono. Nos projetamos com tanto ímpeto que nos achamos além de nós, perdidos, difusos.

Encontrar no cansaço, motivo para a contemplação.
 
12.12.04
  É uma das pequenas graças que nos acontecem.. mas ainda me deixo ser surpreendido por sublimidades e me espanto novamente com o fato de os mais nobres sentimentos não respeitarem distâncias. A pessoa que esteve mais perto de mim nos últimos dias está a milhares de quilômetros...

a
solitude
é
a
pedra lapidada
do
minério
solidão

a amizade
é o engaste
que resgata
essa pedra


aqui
jaz:
solidão


aqui
jade:
amizade


Haroldo de Campos, "a amizade conjura a solidão"

 
11.12.04
  Estabeleci comigo mesmo o compromisso de ler no mínimo dois blogs novos por dia. Já na primeira incursão, excelente supresa:

Da Estrangeiridade.

Continuemos!

G.


 
10.12.04
  Na minha infindável saga de de deixar o blog mais amigável, coloquei um form para quem quiser, ser avisado de novos posts por email.

Se você gostou do que leu, cadastre-se!

É isso.

G. 
8.12.04
 
J'habite une douleur


Ne laisse pas le soin de
gouverner ton coeur à ces
tendresses parentes de
l'automne auquel elles
empruntent sa placide allure et
son affable agonie. L'oeil est
précoce à se plisser. La souffrance connaît peu de mots.
Préfère te coucher sans fardeau:
tu rêveras du lendemain et ton lit te sera léger.
Tu rêveras que ta maison n'a plus de vitres.
Tu es impatient de t'unir au vent, au vent qui parcourt une année en une nuit.
D'autres chanteront l'incorporation mélodieuse, les chairs qui
ne personnifient plus que la sorcellerie du sablier.
Tu condamneras la gratitude qui se répète.
Plus tard, on t'identifiera à quelque géant désagrégé, seigneur de l'impossible.


Pourtant.


Tu n'as fait qu'augmenter le poids de ta nuit. Tu es retourné à la pêche aux murailles, à la canicule sans été. Tu es furieux contre ton amour au centre d'une entente qui s'affole. Songe à la maison parfaite que tu ne verras jamais monter. A quand la récolte de l'abîme? Mais tu as crevé les yeux du lion. Tu crois voir passer la beauté au-dessus des lavandes noires...


Qu'est-ce qui t'a hissé, une fois encore, un peu plus haut, sans te convaincre?


Il n'y a pas de siège pur.


René Char
 
6.12.04
  A Sedução do Admirável ou Ensaio de uma Ontologia da Paixão

Há tempos, participando de um simpósio de filosofia, ouvi a professora palestrante comentar o quão nos é atraente aquilo que admiramos. E não ouvi mais nada; fui tomado pelo poder das palavras e pelo pensamento sobre até onde somos levados, senão arrastados por essa espécie afecção.

Já Aristóteles comentava o poder do espanto e da admiração (to thaumázein) e sua força quase irresistível. Mas não se trata aqui apenas de um aspecto psicologizante de tal experiência: frente ao que admiramos, nós mesmos que somos postados, de certa forma, sob nosso olhar e nossa atenção. Seja uma pintura, uma obra musical, um livro ou uma pessoa, somos nós os visados porque de alguma maneira nos reconhecemos projetados no objeto; sob algum aspecto, ele nos contêm: é o desejado. Fica difícil não vislumbrar a idéia de Schopenhauer de que a coisa em si é a Vontade. Unimo-nos quase a um ponto de identidade com o admirável de maneira que fica difícil nos movermos para fora de seus domínios. O objeto em questão nos possui enquanto ausência e falta e sob este ponto de vista somos re-colocados diante da ordem das coisas, na própria existência. Assim, engana-se ao menos em parte quem julga que neste tipo de experiência estamos em uma espécie de plenitude. Ao experienciarmos o admirável, somos imediatamente colocados em marcha existencial em sua direção, e forçosamente somos potência e não ato. É a carência e não a totalidade que nos move. Talvez proceda daí aquele sentimento de vazio pelo qual somos tomados em tais experiências. O não-ser não é aqui uma ameaça; é antes de tudo um convite, uma paixão. Talvez a mais dilacerante delas.

G
 
4.12.04
  Com todo esse papo de open source, copyleft e assemelhados, e já que até o MEC resolveu se mexer nesse sentido, vou colocar aqui também alguns links de sites com ebooks em vários formatos e em vários idiomas. Eis os meus preferidos: Manybooks, Great Books, Wordtheque e o clássico Project Gutemberg.

É isso.

G.




 
3.12.04
  Sim, eu vejo a hora; é a Eternidade


Les Chinois voient l'heure dans l'oeil des chats.

Un jour un missionnaire, se promenant dans la banlieue de Nankin, s'aperçut qu'il avait oublié sa montre, et demanda à un petit garçon quelle heure il était.
Le gamin du céleste Empire hésita d'abord; puis, se ravisant, il répondit: "Je vais vous le dire." Peu d'instants après, il reparut, tenant dans ses bras un fort gros chat, et le regardant, comme on dit, dans le blanc des yeux, il affirma sans hésiter: "Il n'est pas encore tout à fait midi." Ce qui était vrai.
Pour moi, si je me penche vers la belle Féline, la si bien nommée, qui est à la fois l'honneur de son sexe, l'orgueil de mon coeur et le parfum de mon esprit, que ce soit la nuit, que ce soit le jour, dans la pleine lumière ou dans l'ombre opaque, au fond de ses yeux adorables je vois toujours l'heure distinctement, toujours la même, une heure vaste, solennelle, grande comme l'espace, sans divisions de minutes ni de secondes, - une heure immobile qui n'est pas marquée sur les horloges, et cependant légère comme un soupir, rapide comme un coup d'oeil.
Et si quelque importun venait me déranger pendant que mon regard repose sur ce délicieux cadran, si quelque Génie malhonnête et intolérant, quelque Démon du contretemps venait me dire: "Que regardes-tu là avec tant de soin? Que cherches-tu dans les yeux de cet être? Y vois-tu l'heure, mortel prodigue et fainéant?" je répondrais sans hésiter: "Oui, je vois l'heure; il est l'Eternité!"
N'est-ce pas, madame, que voici un madrigal vraiment méritoire, et aussi emphatique que vous-même? En vérité, j'ai eu tant de plaisir à broder cette prétentieuse galanterie, que je ne vous demanderai rien en échange.
Charles Baudelaire - L'Horloge



Van Gogh - The Olive Trees


...e até o próprio cansaço
cansa
amansa
faz as cabeças
baixarem
e os joelhos
dobrarem.
Mas ainda há o sol
que forte brilha sobre
as nucas
expostas. 
2.12.04
  Pequeno Guia para a Existência Autêntica

Alfa


"Quanto mais penso, menos sou".
Kierkegaard

Como não concordar que a verdade é a subjetividade? Mas não no sentido vulgar; não se trata de um relativismo barato ao nível das preferências e dos gostos. A questão aqui é que se pode abstrair-se de tudo: do céu, do inferno, das situações e das pessoas, mas impossível abstrair-se de si. Estamos sempre presentes, diante de nós mesmos, ainda que fora de nós. Eis o que é a existência: é ex-sistere, estarmos fora de nós. Aqui aparece então o primeiro grande paradoxo: Como se está sempre presente, sempre perante si mesmo com toda a força do corpo e do intelecto, sendo-se abertura e um inerente fora de si?

G. 
«Il n’y a pas d’amour de vivre sans désespoir de vivre.» Albert Camus, L'Envers et l'Endroit

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