Metafísica do Absurdo
20.1.06
 
"Se é verdade que o Ser das coisas se manifesta e que podemos dar a conhecer essas manifestações por meio de imagens, eis o verdadeiro ser da angústia. Um velho, com o vigor e quase o ânimo mesmo do corpo, já devorado pelos anos e pelas provações que já se adivinham em cada uma de suas rugas, está postado ante o início de uma escada rolante de uma estação de metrô. Seu desejo é visivelmente o de pedir esmolas, apesar do impulso quase instintivo que o faz paramentar-se de um rôto terno bege, sob o qual procura abrigar e manter consigo sua dignidade. Mas a cada pessoa que se aproxima, o cansaço lhe sobe às temporas. Elas, como sempre, pessoas apressadas em existir, se dirigem à escada. Os olhos do velho vislumbram a nova oportunidade, apesar de a esperança já os terem consumido em boa parte a sua capacidade de enxergarem o mundo. Eis que uma pessoa se aproxima. O velho ensaia então seus passos desprezivelmente miúdos. A ansiedade, que a única coisa neste corpo que tomou proporções gigantestas, seca-lhe então a boca e acelera-lhe o coração. Quando então ele apronta a abordagem, carregada de sinceridade, aquela sinceridade que só conhecera quando criança e que vinha das respostas imediatas que às vezes o mundo concede, naqueles dias em que tudo fala a verdade, lembra-se então, de como algumas vezes tinha cultivado um gosto pela vida. Quando seu corpo e seu espírito tinham os mesmos desejos e os mesmos objetivos, enfim, de como a vida poderia ser e não era. E é precisamente aí, neste lapso de tempo, que a pessoa embarca na escada rolante e passa pelo velho cuja única alternativa é pedir esmolas. Mas ele nunca consegue; os joelhos já não respondem, bem como a voz, e tudo o prende nessa mímica imbecil que tem como resultado a visão das pessoas rápidas que sobem pela escada. E este processo se multiplica várias vezes e a cada dia só aumenta a consciência da diferença da velocidade do velho para com a das pessoas e da escada rolante. E a cada pessoa, nova tentativa alimentada por uma esperança estéril que o torna mais bobo e desnecessário ali.

E o que é a angústia senão essa soma de propriedades inegáveis; a consciência de uma esperança da qual nada brota, a dependência de algo que o esmaga e a impossibilidade tanto de se livrar quanto de se resignar.


Marc Soitraeil, Sob a Égide de Tártaro


 
4.1.06
  ::: MEMENTO MORTIS :::

"... ele, como uma lâmina solitária e sempre vibrante, destinada a ser quebrada de um só golpe e para sempre, pura paixão confrontada com uma morte total, sentia hoje a vida, a juventude, as pessoas lhe escaparem, sem poder salvá-las em nada, e abandonado apenas à esperança cega, que essa força obscura que durante tantos anos o tinha sustentado acima dos dias, o tinha alimentado sem medida, sempre a mesma nas mais duras circunstâncias, iria fornecer-lhe também, com a mesma generosidade incansável que mostrara ao lhe dar suas razões para viver, as razões para envelhecer e morrer sem revolta."

CAMUS, Le premier homme

 
«Il n’y a pas d’amour de vivre sans désespoir de vivre.» Albert Camus, L'Envers et l'Endroit

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